quinta-feira, agosto 18, 2005

cat and shoe

Por mais complexa que seja, a mente humana ainda é incapaz de compreender certos comportamentos. O instinto ainda fala mais alto entre as espécies.
Não faz muito tempo, um gato – mais especificamente, uma gata – pôs-me a tentar desvendar o que se passa na mente de um animal acuado, amedrontado e frágil. Uma gata branca, pequena, mas ainda em sua boa forma. Sua barriga estava levemente maior do que se pode esperar de um gato, ainda mais sendo um gato de rua. De certo, havia dentro dela alguma ninhada de novos gatinhos, prontos para enfrentar o desafiador ambiente hostil das cidades humanas.
Pois bem. Eis que tal gata resolveu, por algum motivo, subir em uma árvore. E teve ainda a infelicidade de escolher uma cidade como São Paulo, onde a tradição de se trepar em galhos retorcidos para colher frutos das árvores já fora há um bom tempo esquecida. Sardinhas penduradas à arvore no dia anterior resumiam as tentativas anteriores, todas frustradas, de se retirar de lá o animal. Era o segundo dia que estava lá, sobre os galhos, e nada lhe fazia descer. Pelo contrário, a gata aos poucos continuava sua escalada rumo ao nada.
Pela tarde, já se via certo amontoado de gente em frente ao portão da casa. Alguns atraídos pelo grande carro dos bombeiros que lá estava parado, outros simplesmente agregando-se aos curiosos que ali buscavam um pedaço de notícia do que acontecia. As escadas do corpo de bombeiros não eram suficientes para alcançar o animal. De fato, a árvore, muito velha que é, oferecia madeira para se escalar em uma altura impressionante.
E quanto mais os bombeiros esticavam-se para trazer o animal, mais ele subia e se afastava.

Sob a égide da consciência humana, eu poderia citar inúmeros motivos para não se descer da árvore. Mas atenho-me aos motivos felinos. Afinal, por que deveria descer? Talvez as frutas aqui sejam mais gostosas, e as mais altas, melhores ainda. Além do mais, não me interessaria voltar ao chão que muitas vezes me fora cruel, trazia-me más lembranças. E aquela movimentação lá embaixo, as pessoas olhando, as escadas sendo montadas e desmontadas, as redes que esperam tão aflitas quanto os olhares um salto de misericórdia, tudo isso não faria outra coisa senão botar medo na minha cabeça. Porque sobre o galho, eu teria o conforto da incerteza, da surpresa, do inesperado, mas por pior que possa ser não podia superar as decepções que teria com as pessoas lá de baixo. O galho, confortante, traz de volta ao animal seus estintos selvagens, há tempos exterminados em meio aos concretos da cidade.

4 comentários:

pita disse...

super piegas esse texto, hein?

Anônimo disse...

Haha, sua "persona literária" não diz nada sobre o seu jeito normal de falar. Lembra um pouco algum escritor antigo, mas sem muito floreio... Machado talvez?
Confesso que ao imaginar o que se passa na cabeça de um gato assustado em cima da árvore, minhas conclusões não tem nada a ver com as suas. Aliás, são suas, ou de algum heterônimo seu?

Só pra constar, minha gata subiu muitas vezes no limoeiro aqui de casa e ficou com medo de descer. Pelo menos o limoeiro dá acesso à sacada do meu quarto, e por lá ela era resgatada.

Dedeflavor disse...

coitada da gata.
as gatas andam sumindo por aí...
sinistro..

Anônimo disse...

(sigh) que saudades de ter um estilingue numa situação dessas... Que foi? Vai dizer que vocês nunca atiraram o pau no gato-tô?